Toda representação queer foi codificada como tabu quando o Código Hays entrou em vigor em 1934. Mas, ao mesmo tempo, o público estava faminto por histórias fantásticas de monstros como Drácula, Frankenstein, o Homem-Lobo, o Homem-Invisível, e assim por diante - todos avatares convenientes para os socialmente excluídos, os mal compreendidos e os desprivilegiados. Como Harry M. Benshoff explica em seu livro Monsters in the Closet: Homosexuality in the Horror Film (1997), “Antes e durante os anos da Segunda Guerra Mundial, os filmes de terror da Universal Studios começaram a empregar uma representação mais humanista de seus monstros”. Os filmes de Val Lewton, como Cat People, refletiam “uma crescente consciência, comunidades e da dinâmica da opressão homossexual, tal como acontecia na sociedade civil e nas Forças Armadas.” Sendo assim, embora os executivos de Hollywood se recusassem a mostrar o verdadeiro boom do horror no cinema americano, eles estavam dispostos a pagar por histórias sobre párias sociais e figuras sexualmente não-normativas. Os fãs de terror, portanto, encontraram-se inundados com alguns dos personagens mais icônicos de todos os tempos.
The Old Dark House (A Casa Sinistra, 1932) - Não é de surpreender que James Whale (um conhecido diretor gay), tenha trazido à vida alguns dos mais emblemáticos monstros universais durante o auge da década de 1930. Whale imbuiu seus filmes com uma forte sensibilidade gay: em The Old Dark House, cinco pessoas (Raymond Massey, Gloria Stuart, Melvyn Douglas, Charles Laughton e Lilian Bond) abrigam-se numa casa isolada para fugir de uma tempestade. Temas tabus como comportamento homossexual, androginia e desvio sexual são insinuados ao longo do filme. Whale também lançou o famoso ator (e melhor amigo) Ernest Thesiger para interpretar um dos irmãos Femm. The Old Dark House é um dos filmes gays mais influentes de sua década.
The Bride of Frankenstein (A Noiva de Frankenstein, 1935) - Whale também dirigiu uma sequência de seu sucesso, Frankenstein (1951), desta vez usando o intrigante Dr. Septimus Pretorius (Ernest Thesiger) para atrair o Dr. Frankenstein (Colin Clive) de volta ao seu laboratório após os eventos do primeiro filme. Por meio do retrato de Thesiger, Pretorius interpreta um dos personagens gay mais identificável em uma época onde esta façanha seria prontamente banida. E, finalmente, o próprio monstro acaba como um herói altruísta, que se tornou uma espécie de trunfo no início do cinema de horror: Como Benshoff escreve em Monsters in the Closet: Homosexuality in the Horror Film, “muitos evitavam o casal 'normal' e se concentravam unicamente em seus protagonistas queer, sugerindo, assim como os filmes de terror das décadas posteriores, que é o monstro queer que o público realmente vê e se identifica, e não o heróis e heroínas heterossexuais. ”
Dracula’s Daughter (A Filha de Drácula, 1936) - Várias décadas antes do boom de vampiras lésbicas da década de 1970 havia Dracula’s Daughter, centrada em uma personagem desesperada para abandonar a doença do vampirismo e viver livremente como uma mulher normal (traduzindo: sob o jugo de um homem controlador). A condessa Marya Zaleska (Gloria Holden) seduzia suas vítimas - de ambos os sexos - para drenar-lhes o sangue. Ela lutava contra os “impulsos horríveis” que ela tentava reprimir, e até começa a ver um psiquiatra para analisar o “vampiro” em seu interior (claramente uma alusão aos tratamentos para curar a homossexualidade). Embora ela fosse mais uma “vilã queer”, ela cativou o público de 1930 devido ao seu desejo de expurgar o mal que faria ao próximo.
Rebecca (Rebecca, a Mulher Inesquecível, 1940) - Baseado no romance de Daphne du Maurier e adaptado por Alfred Hitchcock, Rebecca conta a história de uma garota comum (interpretada por Joan Fontaine) que se casa com um homem acima de sua posição, o aristocrata Maximilian "Maxim" de Winter (Laurence Olivier) e é forçada a viver na sombra da esposa morta de Maxim, Rebecca. A nova Sra. de Winter também se sente intimidada pela governanta Sra. Danvers (Judith Anderson) e pela responsabilidade de ser a nova castelã de Manderley. O ódio de Danvers pela nova castelã só é superado por sua obsessão com a bela e misteriosa Rebecca. Danvers obsessivamente mexia na gaveta de roupas íntimas da “patroa” morta e mergulhava com carinho em lembranças de quando ajudava a senhora Rebecca se despir após as festas. Quase 80 anos depois, a Sra. Danvers continua sendo um dos grandes ícones queer codificados de todos os tempos.
Cat People (Sangue de Pantera, 1942) - O lendário produtor Val Lewton trouxe Cat People, a história de uma imigrante sérvia chamada Irena Dubrovna (Simone Simon) que devia se abster de qualquer sensação sexual para que não despertasse a maldição de seus descendentes, que condenavam as mulheres de sua tribo a se transformarem em panteras assassinas se seu desejo ou ciúme fosse despertado. Sua relutância é tida entre os críticos como sendo o desejo lésbico reprimido e codificado. Além de ser uma estranha nos Estados Unidos com costumes e tradições diferentes, Irena é ainda assombrada por sua incapacidade de consumar um casamento heteronormativo.
The Uninvited (O Solar das Almas Perdidas, 1944) - O conceito queer passou de figurativo para literal neste filme de fantasmas, onde um personagem lésbico codificado é na verdade um fantasma. Os irmãos Roderick (Ray Milland) e Pamela Fitzgerald (Ruth Hussey) adquirem uma casa abandonada na costa da Cornualha. Após um entusiasmo inicial, eles começam a ficar apreensivos com rumores de que o lugar seria assombrado. Em seguida, passam a receber visitas de Stella Meredith (Gail Russell), uma jovem envolta numa atmosfera maligna e cuja mãe seria o fantasma responsável pelos ruídos que têm perturbado a paz do local à noite. Fica claro que há um mistério no ar, que a casa possui um segredo, e que o avô de Stella sabe muito mais do que confessa. Além disso, parece haver um segundo fantasma, empenhado em proteger a moça, ao contrário do outro, que deseja sua ruína. A relação da protagonista, Stella, com o misterioso fantasma que ela pensa ser sua mãe, começa como uma paixão que tem sido interpretada como subtextualmente queer. “O fascínio da heroína é diretamente identificado como amor”, escreve Patricia White em Uninvited: Classical Hollywood Cinema and Lesbian Representability (1999), “Mas a condição desse desvelamento é que o objeto de sua atração se torna literalmente sua mãe. O filme, portanto, dramatiza a forma como a narrativa edípica feminina funciona como suporte para outra história, um desejo lésbico que é evocado e coberto. ”
Um conto clássico de assombração. Um conto clássico de desprendimento gay!
The Picture of Dorian Gray (O Retrato de Dorian Gray, 1945) - Jovem, bonito e libertino, o aristocrata Dorian Gray (Hurd Hatfield) venderia até a alma para permanecer jovial. Guiado pelo amigo decadente Lord Henry Wotton (George Sanders), afunda-se em vícios degradantes e orgias homéricas. Vaidoso, ao mirar continuamente o retrato que dele fez o pintor Basil Hallward (Lowell Gilmore), Dorian faz um pacto fatal com o Diabo. Com isso, o tempo passa, mas ele remoça e fica cada dia mais belo, enquanto, à sua volta, todos envelhecem e morrem. Entretanto, escondido no sótão, o retrato vai ficando cada vez mais grotesco e desfigurado. Após a sua exibição, a puritana Legião da Decência deduziu que partes do filme "poderiam ser interpretadas como se estivessem transmitindo implicações sobre a homossexualidade" o que chega a ser ridículo, pois no próprio livro ficam claras as preferências sexuais de Dorian e o amor platônico de Basil pelo seu modelo.
FONTES:
Wikipedia – Queer Horror
Vulture - 50 Essential Queer Horror Films
Wussymag - Haunted: The intersections of queer culture and horror movies
Dazed - Queer horror: a Primer
Monsters in the Closet: Homosexuality in the Horror Film (Harry M. Benshoff - 1997)
New Queer Cinema: The Director's Cut (Ruby Rich - 2013)
Uninvited: Classical Hollywood Cinema and Lesbian Representability” (Patricia White - 1999)
A SEGUIR...
Os anos 50 – Monstros cafonas e mais subtextos queer
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